Um dia muito triste para o futebol brasileiro. Ronaldo anuncia, aos 34 anos, a sua aposentadoria. Um histórico de lesões e, segundo revelou hoje, problemas de saúde — no caso, hipotiroidismo — o afastam dos campos antes da hora. Com saúde, teria mais uns três ou quatro anos para exibir seu futebol soberbo.
Ronaldo não fugia à regra das pessoas famosas tornadas celebridades mundiais. Envolveu-se em algumas polêmicas ao longo da carreira, mas nada que tirasse o brilho de seu futebol. As cabeçadas que deu na vida sempre fizeram mais mal a si mesmo do que aos outros. Sua figura pública tem a marca da simpatia e da candura até. Imodesto mesmo era seu futebol.
Tudo somado, ninguém superou Pelé — e é difícil que isso ocorra algum dia. Nessa área, talvez já tenhamos visto o melhor. No auge da carreira, acho, no entanto, que Ronaldo chegou a atingir até maior intensidade, mas o corpo lhe cobrava uma fatura altíssima. Isso não o impediu de ser, até hoje, o maior artilheiro das copas, considerado três vezes o melhor jogador do mundo. Preservando-se mais, teria chegado tão alto e tão depressa? Ninguém saberá. Em horas assim, lembro-me de um poema de Cecília Meireles, “Retrato de uma criança com uma flor na mão”. Leiam:
Quem lhe ensinara o sorriso
e a graça de assim fica
com as luzes do paraíso
Sustentadas no olhar?
Naquele instante divino,
Com a tênue flor na mão.
Recebeu seu destino
Palma e galardão.
Não se repete na vida
A hora clara existida
Livre de tempo e dor.
Era tão linda! E estou triste.
Deus, por que permitiste
sobrevivesse à flor?
Explico-me. O auge, talvez inigualável e inigualdo, do futebol de Ronaldo foi como esse instante captado no poema. Quase todos sobrevivemos ao nosso melhor momento, não é?, e essa é uma das dores de existir, mas assim se renova a vida. Para quem gosta de futebol, Ronaldo esteve entre as estrelas quase solitárias, as ocorrências ímpares, os lampejos que não se repetem. Mas o tempo passou para ele. E, obviamente, havemos de nos perguntar, sabedores da reposta: “E não terá passado para nós”?
Ficou o retrato do rapaz com a bola no pé, arrancando rumo ao gol certo, numa explosão que juntava alegria e força. Algum outro o repetirá?
Ao lado do filho Alex, recentemente reconhecido — consta que o atleta não titubeou, submetendo-se a todos os procedimentos legais —, Ronaldo chorou ao se despedir. O conjunto foi humano, honesto, comovente. Como brasileiro e como corintiano, sinto-me recompensando pelo muito que ele deu ao futebol.
Não se repete na vida
a hora clara existida
livre de tempo e dor.
Ronaldo descobrirá, ao lado dos filhos, a graça de viver como humano, depois de ter vivido como mito. E seu futebol restará como a “hora clara existida, livre do tempo e da dor”. Em muitos momentos, sem comparação.
Por Reinaldo Azevedo
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