REDES SOCIAIS
Limpeza social
Na tarde do dia 15 de outubro, o técnico de informática
Leandro Mota foi até a sede do Facebook, em São Paulo, com dois colegas.
Eles não foram autorizados a subir – tudo o que conseguiram foi falar
com uma atendente, que explicou que aquele escritório era destinado
apenas à contabilidade do Facebook.
Antes de comparecer pessoalmente,
eles haviam conseguido um telefone via 102 para falar com algum
responsável pela rede social. Nada adiantou.
Eles não conseguiram
entender e nem resolver o problema: suas páginas, que tinham centenas de
milhares de “fãs” – os seguidores na linguagem do Facebook –, haviam
sido excluídas sem explicação.
A maior página de Mota, Humor Engraçado, foi criada no dia 8 de
janeiro. Nove meses depois, tinha 600 mil fãs. Além das páginas dele,
que administra um grupo de donos de páginas, foram tiradas do ar pelo
menos 120 páginas – algumas delas com mais de dois milhões de
seguidores. “Não teve nenhum tipo de aviso”, reclama Mota.
O Facebook não se pronuncia sobre casos isolados. A assessoria de
imprensa limitou-se a dizer que, se as páginas foram removidas, é porque
elas feriram alguma cláusula nos termos de uso (mais informações ao
lado).
Os donos negam. A remoção, que atingiu páginas que poderiam figurar
no ranking das 20 mais populares do País, coincide com o endurecimento
do Facebook em suas políticas.
A rede social anunciou em agosto que removeria páginas e “curtidas”
que violam seus termos. A ideia era que a limpeza fizesse as páginas
produzir mais conteúdo “relevante e interessante”, e que as empresas –
tão importantes em um tempo em que o Facebook busca lucratividade –
vissem um engajamento genuíno. O Facebook falou que a remoção atingiria
1% do conteúdo. Para Mota, a remoção atingiu 98% do grupo que
administra.
Entre os afetados pela limpeza, como eles chamam as medidas, ninguém
diz saber o motivo. “Eu acho que o Facebook está tirando tudo que é
fútil. Foi o que eu entendi”, diz A., que tinha uma página com mais de 2
milhões de fãs e que prefere não se identificar por medo de perder o
conteúdo definitivamente. Dona de uma videolocadora, A. aproveitava o
pouco movimento do dia para postar conteúdo e interagir com os usuários.
Em oito meses, a página conquistou mais fãs do que as páginas de
grandes marcas brasileiras. Questionada sobre o uso de um script para
ter mais seguidores, como foi comum no Twitter, ela responde: “Nem sei
mexer com essas coisas”. A base de fãs foi criada, segundo ela, trocando
recomendações (os grupos de donos de páginas existem para isso: um faz a
divulgação da página do outro). Ela também usou aplicativos e
estratégias do tipo “se quiser participar da promoção, curta a página”.
O uso do script também não explicaria a enorme interação dos usuários
com a página, que compartilhava diariamente montagens de fotografias
com mensagens de autoajuda. Os fãs da página de A. não apenas curtiam,
mas tinham um envolvimento genuíno, compartilhando e comentando os
posts.
A página tinha mais de 50% de engajamento, um fenômeno a ser
observado pelos profissionais de redes sociais. A página da empresa
brasileira mais popular, a do Guaraná Antarctica, tem mais de 7 milhões
de likes, e 10% dos seguidores interagem com o conteúdo postado.
Quando o Orkut estourou no País, as comunidades mais populares
começaram a ser abordadas por agências que negociavam divulgação em
“comunidades relacionadas”, numa estratégia ainda rudimentar de mídia
social. Agora a popularidade espontânea do Facebook também começou a ter
um preço.
Várias páginas do Facebook estampavam, junto de mensagens de humor ou
autoajuda, pequenos textos com anúncios – o que é proibido de acordo
com os termos de uso do Facebook. Também é comum os donos de páginas
receberem propostas para vendê-las. As ofertas vêm desde usuários
interessados até agências de publicidade grandes.
A reportagem apurou que uma delas foi vendida por R$ 15 mil. Hoje,
porém, o negócio pode não ser tão lucrativo. Com o risco de as páginas
serem removidas sem aviso, o valor tem caído – a especulação é que uma
página com cerca de 1 milhão de likes custe cerca de R$ 5 mil. “O povo
mandava e-mail direto perguntando se eu venderia. Mas esse nunca foi o
meu interesse. E o Facebook não aceita isso”, diz A.
Orkutização. Hoje o Facebook tem 58 milhões de
usuários brasileiros. A adesão se intensificou a partir de 2010. No fim
do ano passado o Facebook tomou o lugar do Orkut como rede social
favorita do País. E trouxe um novo cenário.
“Se antes no Orkut só dava
pra conhecer outras comunidades pelo (recurso) comunidades relacionadas,
no Facebook a disseminação aconteceu pela opção de compartilhar
conteúdo”, diz Ian Black, CEO da agência digital New Vegas. “Isso forçou
que as fanpages tivessem conteúdo, e foi aí que começou a surgir a
febre do conteúdo de autoajuda, religioso ou aquelas mensagens
engajadas.”
A situação não tem a ver com o fato de Mark Zuckerberg estar ‘triste’
com a maneira como os brasileiros se comportam no Facebook, um boato
espalhado no ano passado (e que Ian Black diz que sempre tem de
desmentir em palestras), mas mostra algumas particularidades do Brasil.
O programador João Motta, criador da página InteligenteVida (que tem
1,1 milhão de fãs), também aponta a opção de compartilhar como a virada.
“O brasileiro tem um aspecto mais de compartilhar do que outros”, diz.
“É só você ver o 9gag. Lá fora, as pessoas só olham ou curtem, no
máximo. O brasileiro, não. Ele quer compartilhar, quer marcar os amigos.
Eu vejo pela minha mãe, que compartilha tudo. Ela quer que os amigos
também vejam.”
A InteligenteVida surgiu primeiro no Twitter, para que Motta pudesse
postar aquilo que não falaria em seu perfil pessoal. Ele já havia
conquistado fãs quando foi para o Facebook, no ano passado. “Fui a
primeira página do Brasil a fazer esse tipo de conteúdo”, afirma. No
início, ela apenas replicava o conteúdo do Twitter.
Depois, viu a
fórmula da página Humor no Face dar certo – frases de efeitos com
imagens prontas para compartilhar. Ele repetiu a dose e a página vingou.
Há montagens que tiveram mais de 100 mil compartilhamentos.
A InteligenteVida até agora não sofreu nenhuma ameaça, mas já recebeu
até proposta de aluguel por um mês. Motta acha que as páginas apagadas
infringiram as regras. “As pessoas são fanáticas por números. A meta é
só ser curtido”, diz.
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