MOTIVACIONAL
O monge e o executivo: um guia para quem quiser ser líder no mosteiro
Liderança é uma competência essencial para nações, empresas, instituições e equipes e tem merecido a atenção de muitos estudiosos. O líder é uma pessoa que exerce influência e está presente no imaginário dos demais porque dá direção e sentido, coordena, motiva, dá esperança, gera confiança, favorece a ação e o assumir riscos e, de maneira tangível ou simbólica, reforça a noção de que o sucesso será alcançado. Mas é preciso ter cuidado com os muitos equívocos que tem sido cometidos a respeito de liderança. E um deles é não considerar os aspectos holísticos e situacionais da questão.
Faz algum tempo que uma cantora brasileira teve uma grande oportunidade de projetar sua carreira nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova Iorque. O local do show, na Tribeca Area, era de primeira e estava lotado. Mas, assim que começou a sua apresentação, para esquentar a “galera”, começou repetidamente com um grito de guerra: “Free Mike Thison, Free Mike Thison” e, ao contrário do que esperava, a plateia reagiu friamente e começou a se retirar. E o que ela fez de errado? O grave erro que cometeu foi pressupor que o que dava certo no Brasil também daria nos Estados Unidos. No Brasil, Mike Thison era a designação de um tipo especial de cannabis sativa, que deixava os apreciadores da erva no maior barato. Já nos Estados Unidos, o pugilista estava sendo processado por estupro. Assim sendo, pedir a sua liberdade era a maior afronta que se podia fazer ao público americano, sobretudo o nova-iorquino. Portanto, o que a cantora fez foi dar um verdadeiro tiro no pé.
O que deve ficar claro com esta história é que tudo está relacionado a um contexto, a um tempo, a uma cultura, a um espaço, e aquilo que pode ser válido em um, pode ser completamente inadequado e equivocado em outro. E isto vale para tudo. Numa negociação, por exemplo, quem não levar em conta diferenças entre países e contextos, pode estar cometendo erros graves, pois o que pode ser correto no Brasil, pode ser uma gafe, ou até uma afronta, na Alemanha, no Japão ou num país árabe.
E este é o perigo de muitas teorias de liderança e administração que querem absolutizar o relativo. Uma delas foi o “grid gerencial”, que hoje, muito provavelmente, poucos se lembram. Um exemplo mais atual é encontrado no best-seller de James C. Hunter, “O Monge e o Executivo”, que considera o líder servidor como um modelo que retrata a essência da liderança e mostra o caminho a ser seguido. Mas vamos ao contexto. No mosteiro, a estrutura organizacional é estática e secular, os objetivos e a missão estão definidos e não mudam nunca e o foco pode ser basicamente interno. Não há necessidade de se preocupar com a sobrevivência da empresa, com o posicionamento no mercado, com as ameaças da concorrência, com a busca contínua de oportunidades, com o desenvolvimento de novas tecnologias e, tão pouco, se o oceano é azul ou vermelho. Assim, não é preciso que se entenda a organização como um sistema sócio-técnico que está em contínua transformação e interação com o meio ambiente. E não tem relevância a afirmação de Jack Welch, considerado o executivo do século XX: "Se o nível de mudança interno está abaixo do nível de mudança externo, o colapso é iminente".
Um outro ponto que deve ser mencionado é que quando se fala em liderança nas empresas é preciso considerar que existem três níveis organizacionais: estratégico, administrativo e operacional, e que o fato de uma pessoa ser um bom líder num nível não significa, obrigatoriamente, que também vá ser em outro.
E isto tem a ver com o chamado Princípio de Peter: “as pessoas sobem até atingirem o seu nível de incompetência”. E este é um dos perigos: continuar exercendo uma função importante de liderança, já tendo atingido o seu nível de incompetência. É em função disto que existem líderes que foram demitidos ou forçados a se aposentar e a razão disto não teve nada a ver com o fato de serem ou não líderes servidores, mas porque não conseguiram os resultados esperados.
Assim, só remontando ao ano 2000, por exemplo, foram demitidos ou “aposentados” cerca de 40 CEOs de empresas da lista da Fortune 500. E eram empresas como Compaq, Gillette, Hewlett-Packard, Xerox e Motorola. Estas pessoas foram conduzidas à liderança em função de decisões e escolhas baseadas em parâmetros equivocados. Eram pessoas que tinham presença dominante, ou grande capacidade de comunicação, ou eram sedutoras, ou se mostravam como líderes natos. Em suma, superficialidades, aparências e jogos de cena. Mas não tinham o fundamental: lucidez, qualidade de tomada de decisão e capacidade de realização.
A essência da liderança está baseada em dois pilares: 1) Lucidez, discernimento e qualidade de decisão e 2) competência para executar e produzir resultados. Sem lucidez e qualidade de tomada de decisão, o resto é o resto. Mas também não adianta lucidez e qualidade de decisão sem a capacidade de agir e fazer acontecer. Existem líderes que têm estas qualidades, como Louis Gerstner que foi CEO da IBM a partir de 1993. A IBM vinha acumulando prejuízos de cerca de 18 bilhões de dólares e a sua liderança acreditava que a única forma de salvação era desmembrar a IBM em várias empresas. Foi aí que houve a contratação de Gerstner, que logo percebeu que com o desmembramento a IBM perderia vantagem competitiva e manteve a empresa integral. Em nove anos, salvou a IBM da ruína, conforme relatado em seu livro, “Quem disse que os Elefantes Não Dançam”, que conta os bastidores da recuperação da IBM.
E Jack Welch, quando se tornou CEO da GE em 1981, foi líder servidor? Na primeira fase da sua administração, Welch fechou 73 fábricas, eliminou 232 produtos e demitiu 100.000 funcionários. Ganhou o apelido de "Neutron Jack", numa referência à bomba de nêutrons, que mata pessoas mas preserva edificações. Sob sua administração a GE valorizou-se em 3.700% e as vendas da empresa passaram de 25 para 130 bilhões de dólares por ano. E Welch dizia: “Você não é líder para ganhar um concurso de popularidade e sim para liderar”. E isto pode importar em tomar decisões duras e difíceis. Mais uma vez lembrando, Jack Welch foi considerado o executivo do século XX.
Para que se evitem equívocos é essencial uma compreensão holística de tudo o que contribui para o sucesso. Entre os principais determinantes, de acordo com Ram Charan, estão: posicionar e reposicionar a empresa, detectar mudanças externas e colocar a empresa na ofensiva, conduzir e desenvolver o sistema social, avaliar pessoas, formar equipes, elaborar metas, estabelecer prioridades precisas e fazer face às pressões sociais. Portanto, vejam bem: não tem nada a ver com líder servidor.
Que as pessoas são importantes está fora de questão, mas daí a concluir que o líder deve ser um servidor, vai uma longa distância. Também deve ser constatado que está havendo uma mudança na natureza do trabalho, com a passagem do homem máquina, ou trabalhador "levanta parede", cujo principal ativo era e ainda é a força física, para o trabalhador do conhecimento, cujo principal ativo passa a ser a capacidade de pensar, criar e decidir com qualidade para poder agir. Com o trabalhador "levanta parede" era possível o chamado gestor feitor e foi isto que aconteceu por um longo período da história da humanidade, como na construção das pirâmides do Egito, na do Coliseu, em Roma, e assim por diante. Mas com o trabalhador do conhecimento, sem adesão, comprometimento e motivação não se vai muito longe, e isto, sem a menor sombra de dúvidas, demanda uma nova forma de administração, mas que não tem nada a ver com líder servidor.
Em suma, se você quiser ser a alegria da concorrência ou ficar entre os líderes que foram demitidos ou forçados a se aposentar, é simples: basta ser um líder servidor. Mas com certeza, ninguém nunca lhe dirá: "Sua empresa foi à bancarrota, mas você foi um excelente líder servidor. Parabéns!"
Assim sendo, não resta a menor sombra de duvidas de que “O Monge e o Executivo” é um ótimo livro para quem quiser ser líder no mosteiro, ou então, para quem gostar de contos de fada
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