Mesmo com o aperfeiçoamento na legislação e
nos mecanismos de investigação ocorridos nos últimos anos, os cartéis e os
demais tipos de acordos entre empresas para fraudar licitações e superfaturar
preços são difíceis de punir no Brasil. Segundo especialistas, a necessidade de
articulação com a polícia e o Ministério Público para conseguir provas
dificultam o trabalho dos órgãos de defesa da concorrência como o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Para Mamede Said, vice-diretor da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Direito Público, a principal
limitação do Cade consiste no fato de que o órgão tem atribuições
administrativas e não pode punir judicialmente as empresas que cometem práticas
desleais de mercado. “O Cade pode cobrar multas e impor obrigações, mas tudo
isso tem apenas valor extrajudicial. A punição criminal só pode ser concedida
pela Justiça”, disse à Agência Brasil. “O Cade é
eficiente para analisar fusões e aquisições de empresas, mas tem limitações
para combater cartéis.”
Na avaliação do professor, apenas a atuação coordenada
entre o Cade, o Ministério Público e a polícia desde o início das investigações
podem tornar viável a repressão aos cartéis. “O Ministério Público pode agir
por iniciativa própria. Basta uma notícia crime [divulgação de ato suspeito
pela imprensa] para um promotor abrir uma investigação ou pedir que a polícia
atue no caso. O Cade complementa esse trabalho, levantando documentos e repassando
as informações”, explica.
Presidente do Cade entre 1996 e 2000, Gesner Oliveira
ressaltou que o órgão ainda tem limitações para combater cartéis. Ele, no
entanto, acredita que houve melhoras nos últimos anos. O ex-dirigente avalia
que a criação de mecanismos de investigação e a nova lei de defesa da
concorrência que entrou em vigor em maio do ano passado ampliaram o poder de
investigação do órgão, que agora pode aplicar multas mais altas e basear os
trabalhos em provas diretas, obtidas por busca e apreensão.
“A nova lei criou vários instrumentos, como uma
Superintendência-Geral [que substituiu a Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça] com mais recursos humanos e materiais para fazer
investigações. O mecanismo de busca e apreensão de documentos, que existe desde
meados dos anos 2000, foi consolidado na nova legislação”, destaca Oliveira.
Ele também disse que a celebração de convênios com a Polícia Federal e o
Ministério Público Federal tornou o Cade mais integrado aos demais poderes.
O ex-presidente do Cade cita, ainda, o mecanismo de
delação premiada como instrumento essencial para as investigações de cartéis.
“Os programas de leniência não foram criados pela nova lei, mas foram
aperfeiçoados com a nova legislação. Muitas investigações só surgem porque
alguma parte concordou em entregar os dados para ter desconto nas multas”,
explica.
No caso da suspeita de cartel nos metrôs de São Paulo e
do Distrito Federal, a Siemens, uma das empresas acusadas de participar do
esquema, entregou dados ao Cade por meio da delação premiada.
Mesmo com os avanços no campo administrativo, a
legislação penal contra os cartéis e os conluios entre empresas precisa ser
revista. O promotor de Justiça encarregado das investigações do cartel no metrô
de São Paulo, Marcelo Mendroni, do Grupo Especial de Repressão aos Delitos
Econômicos (Gedec), defendeu, no último dia 9, penas mais
amplas para os crimes contra a ordem econômica.
“Se o empresário pratica cartel, está sujeito à pena de
dois [anos] a cinco anos, com possibilidade de regime aberto ou prestação de
serviços comunitários. Enquanto a pena mínima não for aumentada para quatro
[anos] ou cinco anos de reclusão, esse é um crime que compensa no Brasil”,
criticou Mendroni.
Apesar da ampliação dos mecanismos de investigação nos
últimos anos, o promotor considera a obtenção de provas ainda difícil no país.
“A prática de cartel é sistêmica no Brasil. A nossa dificuldade é conseguir
provas. Não é sempre que aparece um leniente para trazer as informações e ter o
interesse de colaborar, como a Siemens está fazendo”, acrescentou o promotor.
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