Nilcelane
Silva de Morais, uma indiazinha Cambeba de 8 anos, tem um espaço reservado, no
canto da cozinha de casa, para guardar as inconvenientes embalagens dos
salgadinhos de milho que ela tanto gosta. A menina participa de uma espécie de
gincana em que o objetivo final é dar o destino correto aos resíduos produzidos
na vila. “Coloco aqui para não jogar no lixo”, conta a indiazinha conhecida na
língua dos pais como Manixi, ou Moça.
Ela vive na comunidade Três Unidos, de índios
Cambeba, que fica dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Negro, no
Amazonas, a cerca de uma hora de lancha da cidade de Manaus. A vila ribeirinha,
como tantas outras no interior da Amazônia, precisa resolver sozinha o problema
do lixo, mesmo aquele que poderia ser reaproveitado ou reciclado.
“Hoje, qualquer localidade, por mais distante
que seja, vai ter resíduos que são próprios de ambientes urbanos, como PETs,
latinhas, pilhas, produtos que ao se decomporem liberam substâncias estranhas
ao ambiente”, afirma Antônio Ademir Stroski, diretor-presidente do Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). “As empresas de reciclagem de Manaus
não vão buscar os resíduos em comunidades remotas porque é economicamente
inviável”, explica.
O incentivo para a comunidade separar não só
os saquinhos de salgados, mas também diversas outras embalagens de produtos
industrializados, como xampus, sabonetes e bolachas, vem do projeto Recicle
Suas Ideias, da empresa TerraCycle e que teve a adesão da Fundação Amazonas
Sustentável (FAS), que gerencia o programa Bolsa Floresta do governo estadual.
Na indústria, as embalagens são transformadas em produtos, como estojos ou
discos frisbee (aqueles usados para brincar na praia).
O programa de logística reversa oferece
remuneração a instituições que encaminham para a empresa embalagens de
determinados produtos. A FAS vai receber dois centavos (R$ 0,02) por embalagem
devolvida. “É para ganhar dinheiro”, afirma Geovana Barbosa da Silva, de 5
anos, a Pulipuli ou Vaga-lume, quando perguntada sobre a razão de guardar os
saquinhos.
Na verdade, as crianças não vão receber o
dinheiro diretamente. Como explica a supervisora pedagógica da FAS, Venina
Savedra, a intenção é reverter o que for arrecadado em atividades e ações nas
comunidades que participam do programa. “Ainda estamos estudando como usá-lo”,
afirma.
A iniciativa chegou ao interior do Amazonas em
agosto do ano passado, nos seis Núcleos de Conservação e Sustentabilidade
mantidos pela FAS. As embalagens são separadas tanto pelas crianças da
comunidade quanto pelos alunos do Núcleo e colocadas em caixas. Depois, são
enviadas para a sede da FAS em Manaus, onde são conferidas e remetidas para a
empresa TerraCycle, que as reutiliza em diversos tipos de produtos.
Há
até pouco tempo, uma cova aberta na floresta era o destino de quase todos os
resíduos da Vila Três Unidos, mesmo aqueles que poderiam ser reciclados. Lá,
ainda hoje, rejeitos são enterrados e incinerados, com exceção de latas de
alumínio, vendidas a R$ 1,00 o quilo, e restos de comida que servem para alimentar
uma criação de patos.
A lixeira é um buraco coberto com vários tipos
de resíduos, desde restos de eletrodomésticos até embalagens que não foram
separadas pelos moradores. A fumaça da incineração é permanente, assim como o
mau cheiro e os animais que são atraídos para o local. “A comunidade faz o
buraco, quando não tem mais lugar para o lixo faz outro”, conta o menino
Elinelson Silva de Morais, 11 anos, irmão de Nelcilane e conhecido como Uauá,
ou Neném.
Desde que o programa foi implantado, o volume
de lixo produzido na casa da matriarca da Vila, Diamantina Cruz, a Baba, caiu
pela metade. Para ela, um alívio. “Não tem mais onde jogar. Nós já cavamos dois
buracos, mas já estão cheios. Vamos ter de cavar mais um”, afirma a mulher que
fundou a vila com o marido, há mais de 20 anos.
O programa ajuda também a reduzir a pegada
ambiental do Núcleo de Conservação e Sustentabilidade Assy Manana, implantado
pela FAS na comunidade. O Núcleo oferece aulas regulares para 120 estudantes do
6º ano ao ensino médio - ministradas por professores da Secretaria Estadual de
Educação - e capacitação na área de Desenvolvimento Sustentável. Mas cuidar do
lixo sempre foi um desafio.
O gestor local do Núcleo, o biólogo Klebson
Demelas, calcula que 60% do lixo produzido ali seja orgânico, aproveitado então
para alimentar animais e para a compostagem. Os outros 40% são separados pelos
alunos. Apenas o lixo considerado contaminado (papel higiênico, garrafas
plástica de óleo, embalagem de alimentos com restos de sangue ou que ofereçam
risco etc) é incinerado em um tambor.
“A gente está minimizando nosso impacto com o
lixo”, afirma Demelas, que já encontrou animais mortos, asfixiados por
embalagens, em outra área onde trabalhava. “Um plástico que é jogado no rio
pode ser reconhecido por um quelônio como uma presa e causar a morte do
animal”, afirma
Os
alunos são divididos em grupos, que têm atividades específicas. Os estudantes
Eures Terço Vieira, de 17 anos, e Daniel Silva Vieira, de 16 anos, fazem parte
da turma que separa as embalagens. Além de contribuir para reduzir o volume de
lixo no Núcleo, estão aprendendo a cuidar dos próprios resíduos.
“Quando eu como um bombom ou salgadinho e não
tem uma lixeira perto, eu ponho no bolso e levo pra casa para botar no lixo”,
conta Eures. Claro que isto resulta em um inconveniente, vez ou outra ele se vê
com o bolso cheio de saquinhos, papéis e outras embalagens. Mas é melhor do que
jogar no chão.
Os dois também adoram os salgadinhos de milho.
E sabem que a guloseima é muito popular na vila. “A gente enche um caixa de
saquinhos por dia”, conta Daniel, lembrando que antes muitas destas embalagens
ficavam espalhadas no chão ou na mata, esperando alguém se dispor a recolhê-las
ou a faxina. Isso, quando não iam parar na floresta ou no rio.
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