Para garantir saúde pública de qualidade a toda
população, o Brasil ainda precisa percorrer um longo caminho. Mas, se de um
lado tem desafios como a carência de médicos em muitas regiões, a distribuição
irregular dos profissionais em seu território e a falta ou inadequação da
estrutura de atendimento em diversas unidades, do outro tem o mérito de ser o
único país com mais de 100 milhões de habitantes que assumiu o compromisso de
contar com um sistema universal, integral, igualitário e gratuito de saúde.
Para conhecer melhor a realidade da saúde pública, a Agência
Brasil, em parceria com a TV Brasil, enviou uma equipe de
reportagem ao Amazonas, Maranhão e Piauí. Durante sete dias, os repórteres
percorreram capitais e cidades do interior dos três estados das regiões Norte e
Nordeste para conhecer a realidade dos moradores e de indígenas que dependem da
saúde pública. Também foram mobilizadas equipes do Distrito Federal, de São
Paulo e do Rio de Janeiro. Durante a semana, a Agência
Brasil e a TV
Brasil divulgarão
uma série - Raio X da Saúde – sobre as carências do Sistema
Único de Saúde (SUS) e, também, os hospitais que, mesmo mantidos por dinheiro
público, são referências nacionais e internacionais.
No Maranhão, a dona de casa Graça Mendes, 56 anos
destacou a importância da população local poder contar com o atendimento
integral e gratuito. Segundo ela, embora não tenha nenhum vínculo empregatício,
pode recorrer a um posto de saúde ou a um hospital quando precisa de
atendimento. Nem sempre foi assim: até há algumas décadas somente pessoas
formalmente empregadas e seus dependentes podiam utilizar a rede de saúde
mantida pelo Estado, por meio do antigo Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps). Os outros brasileiros, que quisessem ou
precisassem de atendimento, deveriam pagar diretamente por ele.
"A saúde pública, claro, poderia e deveria melhorar,
mas é melhor a gente ter esse direito do que ficar sem ele. Temos que cobrar
melhoria dos serviços e lutar por isso", disse Graça, que é usuária da
rede pública há três anos, desde que ficou viúva e não teve mais como pagar o
plano de saúde.
A Constituição Federal de 1988 instituiu o Sistema Único
de Saúde (SUS), que tem sua origem no movimento conhecido como Revolução
Sanitária, nascido nos meios acadêmicos na década de 1970. Seu principal pilar
era a defesa da saúde como direito de todos. O movimento teve como marco a 8º
Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que, além de ajudar a propagá-lo,
produziu um relatório final que serviu de base para os debates na Assembleia
Constituinte.
Defensores da reforma, como o sanitarista Sérgio Arouca,
que foi presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tiveram grande destaque
à época e ajudaram o Brasil a implantar o modelo de atenção à saúde como
conhecemos hoje.
A lavradora Raimunda Ferreira de Oliveira, de 79 anos,
que nunca trabalhou com carteira assinada, lembra como era a saúde antes da
criação do SUS. "A gente tinha que pagar para ver o médico. Aqui, em
Rosário - município maranhense -, tinha um médico só e a gente ia na casa dele
para ser atendida quando acontecia alguma coisa", contou.
Na estratégia adotada pelo SUS não há hierarquia entre os
níveis de governo, mas cada uma das esferas - federal, estadual e municipal -
tem competências distintas. O principal financiador da saúde pública no país é
a União que, também, tem a responsabilidade de formular políticas na área.
Essas políticas devem ser implementadas por estados e municípios. Cabe aos
governos estaduais organizar o atendimento em seu território e aos municípios
gerir as ações e os serviços ofertados à população. Eles - os municípios - são
os principais responsáveis pela saúde de seus habitantes. Se um município não
tem todos os serviços, deve pactuar com cidades vizinhas o encaminhamento das
demandas a outras localidades onde eles são encontrados.
Atualmente, segundo dados do Ministério da Saúde, são
feitos, a cada ano, na rede do SUS, 3,7 bilhões de procedimentos ambulatoriais,
531 milhões de consultas médicas e 11 milhões de internações. O Sistema Único
de Saúde também é considerado o maior sistema público de transplantes de órgão
do mundo, além de responder por 98% do mercado de vacinas e por 97% dos
procedimentos de quimioterapia. Entre os anos de 2010 e 2012, foram feitos 32,8
milhões de procedimentos oncológicos por meio do SUS.
Diante da dimensão do SUS, para que a rede funcione em
harmonia, a porta de entrada deve ser a atenção básica, formada pelos postos e
centros de saúde, além das unidades do Programa Saúde da Família. Estudos
demonstram que esse estágio de atendimento é capaz de resolver aproximadamente
80% dos problemas de saúde. Somente após passar pela atenção básica, o paciente
deve ser encaminhado, se necessário, a outros serviços de maior complexidade,
como hospitais e clínicas especializadas, onde são feitos exames, consultas e
algumas cirurgias (média complexidade) e procedimentos que envolvem tecnologia
mais avançada, como os de traumato-ortopedia, cardiologia, terapia renal
substitutiva e oncologia (alta complexidade).
Um dos principais problemas na implantação do SUS,
segundo especialistas, autoridades e profissionais, é que a atenção básica não
dá conta desse papel inicial, de funcionar como porta de entrada do sistema, e
as unidades de média e alta complexidade acabam sobrecarregadas. Muitas vezes,
as doenças dos pacientes encaminhados aos hospitais poderiam ser evitadas, com
ações mais efetivas na área da prevenção ou tratadas em estágio inicial. Nesse
primeiro nível de atenção à saúde, segundo o modelo brasileiro, a população tem
acesso a especialidades básicas: clínica geral, pediatria, obstetrícia e ginecologia.
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