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domingo, 2 de março de 2014

TRIBUNA DO NORTE - Órfãos do crack aguardam um futuro

Quase 50% das crianças que vivem em abrigos de Natal, são filhos de pais dependentes químicosOs olhos do menino fogem do rosto do repórter. Há um nítido desconforto naquela conversa na tarde da última quarta-feira. Falar sobre o passado ressuscita lembranças perturbadoras e difíceis de encarar. “Não sei aonde a minha mãe está. Também não quero voltar a morar naquela casa”, revela o pequeno Leonardo, 12 anos. Em outro cômodo daquele abrigo, o menino Jonas dispara a mesma resposta para duas perguntas distintas. “Tenho 13 anos. Estou aqui há 13 anos. Ninguém vem me visitar”, diz. Leonardo e Jonas não querem falar mais.

Os dois personagens que abrem esta matéria – ambos com nomes fictícios – fazem parte de um grupo de crianças e adolescentes vítima do poder devastador do álcool e outras drogas. Eles não são usuários de entorpecentes mas sentem os efeitos da dependência química talvez da forma mais brutal possível. Para eles, não há remédios ou internação em clínicas que possam reverter o quadro e aliviar a dor. Leonardo e Jonas vivem longe do convívio familiar. 

Foram abandonados pelos pais devido ao uso de drogas. Além deles, Natal tem mais 44 crianças ou adolescentes na mesma situação: órfãos de pais vivos. No Brasil, mais de 80% dos encaminhamentos a abrigos estão vinculados à problemas com drogas. Os números da capital potiguar são da 1ª vara da Infância e da Juventude e mostram a realidade nos nove abrigos que recebem os meninos e meninas abandonados com faixa etária entre 0 e 17 anos. Quase a metade dos que estão abrigados são filhos de pais dependentes químicos que não têm capacidade de criá-los. No mesmo grupo, também há os pais que já faleceram em virtude do vício. Nesse contexto trágico, o crack é apontado como uma das drogas mais aterrorizantes.


Até a última terça-feira, 100 crianças ou adolescentes estavam morando em uma das unidades acolhedoras existentes na capital potiguar. Muitos estão há vários anos nesses locais. É o caso de Jonas. Ele nasceu numa cidade no interior do Estado e foi abandonado pela mãe logo nos primeiros dias de vida. Sem parentes próximos para adotá-lo, a Justiça determinou sua internação. Já se vão 13 anos morando em casas de passagem. Treze anos convivendo com o estigma do abandono.


A família é referência de afeto, proteção e cuidado, onde as crianças constroem seus primeiros vínculos afetivos, experimentam emoções, desenvolvem a autonomia, tomam decisões, exercem o cuidado mútuo e vivenciam conflitos. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), destacava que um ambiente familiar afetivo e continente às necessidades da criança e, mais tarde do adolescente, constitui a base para o desenvolvimento saudável ao longo de todo o ciclo vital.

Tanto a imposição do limite, da autoridade e da realidade, quanto o cuidado e a afetividade são fundamentais para a constituição da subjetividade e desenvolvimento das habilidades necessárias à vida em comunidade.

De acordo com a psicóloga Jemima Morais Veras, ao longo da vida criamos estratégias para entender nossas experiências. “Elas podem ser positivas ou negativas”, diz. Para ela, as crianças abandonadas podem desenvolver percepções negativas. “As crianças abandonadas podem desenvolver a percepção de que as pessoas a sua volta não serão capazes de lhe dar amor, compreensão e proteção. Também é possível que desenvolvam o sentimento de vergonha, de  inferioridade,  de que são indesejadas, imprestáveis”, declara.

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