Os olhos do menino fogem do rosto do repórter. Há um
nítido desconforto naquela conversa na tarde da última quarta-feira. Falar
sobre o passado ressuscita lembranças perturbadoras e difíceis de encarar. “Não
sei aonde a minha mãe está. Também não quero voltar a morar naquela casa”,
revela o pequeno Leonardo, 12 anos. Em outro cômodo daquele abrigo, o menino
Jonas dispara a mesma resposta para duas perguntas distintas. “Tenho 13 anos.
Estou aqui há 13 anos. Ninguém vem me visitar”, diz. Leonardo e Jonas não querem
falar mais.
Os dois personagens que abrem esta matéria – ambos com nomes fictícios – fazem
parte de um grupo de crianças e adolescentes vítima do poder devastador do
álcool e outras drogas. Eles não são usuários de entorpecentes mas sentem os
efeitos da dependência química talvez da forma mais brutal possível. Para eles,
não há remédios ou internação em clínicas que possam reverter o quadro e
aliviar a dor. Leonardo e Jonas vivem longe do convívio familiar.
Foram
abandonados pelos pais devido ao uso de drogas. Além deles, Natal tem mais 44
crianças ou adolescentes na mesma situação: órfãos de pais vivos. No Brasil,
mais de 80% dos encaminhamentos a abrigos estão vinculados à problemas com
drogas. Os números da capital potiguar são da 1ª vara da Infância e da
Juventude e mostram a realidade nos nove abrigos que recebem os meninos e
meninas abandonados com faixa etária entre 0 e 17 anos. Quase a metade dos que
estão abrigados são filhos de pais dependentes químicos que não têm capacidade
de criá-los. No mesmo grupo, também há os pais que já faleceram em virtude do
vício. Nesse contexto trágico, o crack é apontado como uma das drogas mais
aterrorizantes.
Até a última terça-feira, 100 crianças ou adolescentes
estavam morando em uma das unidades acolhedoras existentes na capital potiguar.
Muitos estão há vários anos nesses locais. É o caso de Jonas. Ele nasceu numa
cidade no interior do Estado e foi abandonado pela mãe logo nos primeiros dias
de vida. Sem parentes próximos para adotá-lo, a Justiça determinou sua
internação. Já se vão 13 anos morando em casas de passagem. Treze anos
convivendo com o estigma do abandono.
A família é referência de afeto, proteção e cuidado, onde
as crianças constroem seus primeiros vínculos afetivos, experimentam emoções,
desenvolvem a autonomia, tomam decisões, exercem o cuidado mútuo e vivenciam
conflitos. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), destacava
que um ambiente familiar afetivo e continente às necessidades da criança e,
mais tarde do adolescente, constitui a base para o desenvolvimento saudável ao
longo de todo o ciclo vital.
Tanto a imposição do limite, da autoridade e da realidade, quanto o cuidado e a
afetividade são fundamentais para a constituição da subjetividade e
desenvolvimento das habilidades necessárias à vida em comunidade.
De acordo com a psicóloga Jemima Morais Veras, ao longo da vida criamos
estratégias para entender nossas experiências. “Elas podem ser positivas ou
negativas”, diz. Para ela, as crianças abandonadas podem desenvolver percepções
negativas. “As crianças abandonadas podem desenvolver a percepção de que as
pessoas a sua volta não serão capazes de lhe dar amor, compreensão e proteção.
Também é possível que desenvolvam o sentimento de vergonha, de
inferioridade, de que são indesejadas, imprestáveis”, declara.
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