O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não terá problemas
para enfrentar a cassação da presidente Dilma Rousseff caso seja comprovado que
houve abuso de poder econômico e político nas eleições de 2014. A afirmação é do vice-presidente do tribunal e ministro
do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, 59, que acabou preterido da
relatoria de uma das quatro ações em discussão na corte. "Não é nada
desejável, mas se houver elementos, o tribunal poderá se pronunciar sobre isso,
como tem se pronunciado em casos de senador, deputado, prefeito e
vereador."
Sobre a Operação Lava Jato,
o ministro defende que é preciso desvendar o comando do esquema e lembra que
Dilma ocupou cargos relevantes durante o desenrolar das práticas criminosas na
Petrobras. Coordenador acadêmico do Instituto Brasiliense de Direito
Público, o ministro participa, ao lado de juristas brasileiros, alemãs e portugueses,
a partir desta segunda (9), do XVIII Congresso Internacional de Direito
Constitucional. Promovido pelo IDP, o evento vai discutir saídas para crise
política e econômica brasileira. Para o ministro, o modelo de presidencialismo
de coalizão está esgotado.
Dilma tem condições de chegar ao fim do mandato?
Temos muitas discussões abertas, como o impeachment, processos na Justiça
Eleitoral, mas estamos numa situação muito difícil. É preciso encontrar o
encaminhamento institucional e não podemos esquecer que, ao lado da grave crise
política temos a crise econômica, que exige medidas de quem tem legitimidade,
credibilidade e autoridade. Esses são elementos que estão em falta no mercado
político.
Renúncia seria o caminho?
Não vou emitir juízo de valor, mas estou convencido de que é muito difícil
chegarmos a 2018 com esse quadro de definhamento econômico.
As investigações de corrupção chegando perto do
ex-presidente Lula agravam o cenário?
Não se estrutura um sistema dessa dimensão sem a participação de atores
políticos importantes. Tanto é que eu brinquei: esse enredo não entra na
Sapucaí, é preciso que ele seja completado. Todos nós que temos experiência na
vida pública não imaginamos que um deputado vá à Petrobras e consiga levantar
recursos. É preciso outro tipo de arranjo. Dois delatores disseram acreditar que Lula e Dilma sabiam
do esquema... Não vou fazer juízo, mas não acredito que isso nasceu por ação espontânea de
parlamentares que foram à Petrobras, Eletrobras, Eletronuclear e decidiram
fazer lá um tipo de pedido.
O presidente da Câmara é investigado por manter contas no
exterior. Diante dessa situação, Eduardo Cunha deveria se afastar do cargo?
A gente tende a falar mal dos nossos políticos, mas, ao longo dos anos,
logramos desenvolver uma classe política muito hábil, que propiciou
desdobramentos históricos interessantes, como a transição do regime militar
para o modelo de 1988. Espero que o segmento político se inspire nesses
exemplos para encaminhar soluções adequadas.
Se o Supremo aceitar a denúncia, Cunha deveria se afastar
automaticamente?
Não gostaria de emitir juízo de valor. Alguns deputados questionam a legitimidade de Cunha para
avaliar um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. É uma questão interna do Congresso. Mas, por esse argumento, quem ainda poderia
tomar alguma decisão? O que se diz é que não há nenhuma prova contra a
presidente, mas nós sabemos que isso não se desenvolveu por geração espontânea,
e ela estava em funções-chave desde o Ministério de Minas e Energia, Casa Civil
e Presidência. Tem ela também condições de continuar a governar?
O PT apresentou um parecer do jurista Dalmo Dallari em
que ele diz que o TSE não tem competência para cassar mandato de presidente. O
senhor concorda?
Eu acho que nem o Dalmo nem o PT acreditam nesse parecer. Isso não tem o menor
cabimento. Nunca se questionou a competência da Justiça Eleitoral. É como dizer
que o presidente não esteja submetido às regras básicas de uma campanha limpa.
O senhor reclamou que o TSE estava muito acostumado a
chancelar coisas do Executivo. Isso mudou?
O tribunal foi vacilante na campanha presidencial de 2014. O abuso geral da
campanha era muito difícil de ser coibido, aumento de Bolsa Família em março,
quem impugna esse tipo de questão? O Ministério Público talvez pudesse ter sido
ator mais presente. Pelo menos na Justiça Eleitoral, parecia meio cooptado.
Acredito que já vivemos um novo momento.
Não teria problema de enfrentar cassação de presidente?
Não. Não é nada desejável, mas, se houver elementos, o tribunal poderá se
pronunciar sobre isso, como tem se pronunciado em outros casos de senador,
deputado, prefeito e vereador.
Como o senhor recebeu a decisão de que a ministra Maria
Thereza de Assis Moura foi mantida na relatoria de uma das ações de cassação?
É uma decisão normal, uma das possibilidades. O processo estará em boas mãos.
Mas o fato de a ministra ter votado pelo arquivamento da
ação não terá influência no andamento do processo?
Acho que o tribunal superou esse entendimento [arquivamento] de maneira
expressiva, 5 votos a 2, e certamente ela terá que conduzir o processo sob as
diretrizes estabelecidas pelo plenário. E existem muitos elementos que vão
permitir uma adequada avaliação sobre o pedido. O importante é que, tendo em
vista os fortes indícios, o TSE optou por abir a ação.
No Congresso do IDP, os juristas vão discutir questões
estruturantes do constitucionalismo brasileiro. O senhor acredita que o
desgaste pelo qual passa a presidente Dilma também é motivado pela crise do
presidencialismo?
É inequívoco que esse, como se diz politicamente, presidencialismo de coalizão,
essa junção de base, se exauriu. Basta ver a multiplicação de partidos e a
dificuldade de se somar apoio com alguma consistência programática. As
negociações se sucedem e parece que é um quadro em que os agrupamentos
políticos continuam insaciáveis.
O senhor defende o parlamentarismo?
Chegamos hoje a um quadro de comprometimento da governabilidade e precisamos
reagir. Temos que ver qual é o modelo, a saída. Veja que fizemos tentativas de
intervenção judicial com questão da fidelidade partidária, com a questão do
financiamento. A prova de que chegamos ao fundo do poço é o estado de não
governabilidade que nos encontramos.
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