As duas famílias políticas mais tradicionais do Rio
Grande do Norte deverão repetir nas eleições deste ano uma aliança nada original.
Juntos mais uma vez, os Alves e os Maia – desta vez, representados pelos
senadores Garibaldi Filho e José Agripino, além do prefeito Carlos Eduardo, que
pretendem ser candidatos – planejam reeditar no pleito de outubro (ver box) uma
prática que tem origem em quatro décadas atrás. Há exatos 40 anos, as duas famílias decidiam convergir
pela primeira vez os interesses, mudando a configuração política do estado dali
em diante.
Conhecido como “Paz Pública”, o fenômeno chama a atenção
de cientistas políticos e historiadores. É o caso do professor Sérgio Trindade,
que se debruça sobre o tema há vinte anos. O pesquisador conta que a união
entre as famílias Alves e Maia em 1978 provocou alterações significativas no
quadro político. “Com o resultado das eleições, houve uma reformulação na
política estadual, tendo em vista que ‘novas’ lideranças políticas surgiram,
outras decaíram e outras, ainda, ‘ressurgiram’ após anos de ostracismo”, conta
o historiador, lembrando ainda que a “Paz Pública” coincidiu com a abertura
democrática do país.
ENTENDA A HISTÓRIA
Em 1978, conta Trindade, com o sistema bipartidário, as
principais lideranças políticas do estado estavam na Arena (Aliança Renovadora
Nacional) e no MDB (Movimento Democrático Brasileiro). O MDB, que fazia oposição
ao governo militar, era o reduto da família Alves; enquanto que a Arena tinha o
senador Dinarte Mariz, que dominava a política potiguar até então, e a
emergente família Maia.
Naquele ano, percebendo o avanço do MDB principalmente em
Natal, o governador arenista Tarcísio Maia decidiu arquitetar uma manobra para
evitar surpresas na eleição para o Senado, já que quatro anos antes o feirante
Agenor Maria havia derrotado o candidato da Arena, Djalma Marinho, refletindo
uma tendência nacional, que era de perda de capital político dos adeptos ao
regime militar.
Apenas uma vaga para o Senado estava em disputa em 1978,
já que Dinarte Mariz, mais alinhado com o governo central, seria nomeado
“senador biônico” (eleito indiretamente) e Agenor Maria tinha mandato até 1983.
A Arena, que vinha de uma cisão interna gerada nas
eleições indiretas de 1974 (que resultou na nomeação de Tarcísio Maia para o
Governo do Estado, para a insatisfação de Dinarte Mariz), não tinha consenso em
torno de um nome. O empresário Jessé Freire era a preferência do governador
Tarcísio, mas Dinarte não o apoiava. Foi então que o governador foi buscar o
apoio da família Alves, rival de Mariz, para vencer a disputa. “Tarcísio se aproximou de Aluízio e conseguiu fazer com
que a família Alves apoiasse Jessé. Isso é a Paz Pública”, registra o
professor.
O historiador lembra que Aluízio Alves (que foi
governador até 1969, quando foi cassado pelo regime militar) decidiu aderir à
candidatura de Jessé Freire em detrimento do candidato do seu próprio partido
(MDB), o também empresário Radir Pereira. Em troca, os Alves puderam indicar o
vice do futuro governador Lavoisier Maia: o empresário Geraldo Melo. O curioso na história é que Radir Pereira também recebeu
apoio dos “adversários”. Setores da Arena ligados a Dinarte Mariz descontentes
com a candidatura de Jessé Freire decidiram apoiar o nome do MDB. Além de
Jessé, esses arenistas não engoliam a vitória de Tarcísio Maia na indicação do
sucessor para o Governo, que acabou sendo Lavoisier Maia, em detrimento de
Dix-Huit Rosado, apoiado por Mariz.
A estratégia de Tarcísio, no final das contas, após uma
campanha agressiva, foi vitoriosa. No dia 15 de novembro de 1978, aproximadamente
710 mil eleitores foram às urnas no Rio Grande do Norte, e Jessé Freire venceu
Radir Pereira com 76 mil votos de maioria. O professor Sérgio Trindade frisa
que, após isso, Tarcísio ganhou mais protagonismo, e Dinarte Mariz (que viria a
morrer em 1984, durante mandato de senador) começou a declinar.
“Quem emerge como força política após a eleição de Jessé
Freire é Tarcísio Maia, já que a estratégia eleitoral foi dele. E, além disso,
temos a volta de Aluízio Alves à vida pública, dez anos após sua cassação pelo
regime militar. Foi a maior aliança política feita no RN desde 1954, quando a
UDN e o PSD se uniram para eleger Dinarte Mariz e Georgino Avelino. Combinou as
forças da Arena no interior e a liderança de Aluízio na capital”, completa o
professor.
União política entre Aluízio
e Tarcísio foi desfeita em 1982, na eleição de Agripino
Pesquisador do assunto, o professor Sérgio Trindade
registra que a “Paz Pública” articulada por Tarcísio Maia (vide página ao lado)
tinha, além da eleição de Jessé Freire em 1978, outro objetivo que acabou
prejudicando a aliança com os Alves nos anos seguintes. Tarcísio queria, na
verdade, diminuir a influência da família “aliada” em Natal e se tornar a
grande força política do estado, ocupando o espaço deixado por Dinarte Mariz.
O historiador relata que Tarcísio havia indicado
Lavoisier para sua sucessão desde que o novo governante nomeasse o engenheiro
José Agripino Maia para o cargo de prefeito de Natal. “Por que Natal? Porque,
para os Maia, era necessário obter um determinado número de votos na capital
para cobrir a diferença que existia em relação à liderança dos Alves. Daí, José
Agripino acaba sendo nomeado, faz uma gestão na Prefeitura com apoio do Governo
do Estado e se fortalece para ser candidato a governador em 1982”.
É neste momento em que a aliança entre os Alves e Maia
feita quatro anos antes se enfraquece. “Agripino disputa contra Aluízio em 1982
e é eleito. Os Alves, então, foram traídos ao firmarem a aliança lá atrás.
Agnelo Alves (ex-prefeito de Natal e Parnamirim) dizia que, não fosse Tancredo
Neves, a família Alves tinha se acabado politicamente. Isso porque Tancredo,
quando eleito governador de Minas Gerais, chamou Aluízio para trabalhar como
secretário. Depois, quando Tancredo se elegeu presidente, Aluízio se tornou
ministro”, diz o professor, acrescentando que, a partir disso, outros membros
da família Alves conseguiram ter êxito na política.
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