A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra
Cármen Lúcia, refutou a possibilidade de que a candidatura do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva seja bloqueada sem que haja contestação prévia - ou
"de ofício", como se diz no jargão jurídico. "O Judiciário não
age de ofício, age mediante provocação", disse a ministra, em entrevista
ao programa Canal Livre, da Band, transmitido na madrugada desta segunda-feira
(21). Na semana passada, ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passaram
a discutir nos bastidores a possibilidade de tomar a iniciativa de impedir Lula
de ser candidato, para supostamente evitar um impasse durante a campanha.
O petista cumpre pena de prisão em Curitiba desde abril,
mas será lançado e registrado como candidato ao Planalto. Para Cármen Lúcia, no
entanto, candidatos como Lula são inelegíveis por causa da condenação em
segunda instância, como previsto na Lei da Ficha Limpa. "Isso foi aplicado
desde 2012. Eu não noto nenhuma mudança de jurisprudência no TSE. E o Supremo
voltou a este assunto, este ano, e reiterou a jurisprudência e a aplicação da
jurisprudência num caso de relatoria do ministro (Luiz) Fux, atual presidente
do TSE."
Apesar do imbróglio envolvendo Lula, Cármen Lúcia crê que
o caso do petista não chegará ao Supremo. "Nós temos uma Justiça Eleitoral
muito presente, e isso é matéria eleitoral que irá pra lá. Acho que não chega
ao Supremo."
Segunda instância. A ministra voltou a defender o atual
entendimento da Corte sobre a prisão de condenados em segunda instância e
reiterou que não vai colocar o tema em pauta durante sua gestão, que termina em
setembro. "A menos que sobrevenha alguma coisa, algo completamente
diferente, que não é um caso ou outro", ressalvou.
A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em
abril, reabriu a discussão sobre o tema e colocou pressão sobre Cármen, que
resistiu à ideia de recolocar o tema na pauta do STF. A ministra argumentou
que, de 2009 a 2016 (período que marcou a mudança de entendimento do Supremo),
houve uma mudança significativa na composição da Corte. "Hoje, não. De
2016 até agora, lamentavelmente morreu o ministro Teori Zavascki (morto em 2017
em acidente de avião). Entretanto, o ministro que entrou no lugar, Alexandre de
Moraes, votou no mesmo sentido de Teori", defendeu.
Em setembro, a ministra deixa a cadeira da presidência e
será substituída por Dias Toffoli. Questionada sobre a possibilidade de o entendimento
de que um condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena estar com
os dias contados, a ministra desconversou. "Eu não sei dizer como é a
orientação de colegas", afirmou.
Carmén voltou a defender que o Supremo não deve reavaliar
decisões após mudança de entendimento de algum membro, como uma forma de evitar
uma insegurança jurídica.
Divisão. Cármen Lúcia acredita que a divisão verificada
na Corte nas últimas votações importantes é um reflexo do atual estado de ânimo
da sociedade. "Há uma divisão no mundo, há uma divisão no Brasil, há uma
divisão às vezes dentro de famílias sobre a compreensão de mundo", disse a
ministra. Cármen Lúcia disse que há diversos exemplos de casos que terminaram
com placar de 6 a 5 na história do Supremo, e que a diferença agora é que a
Corte está presente "em todas as discussões". "Numa sociedade
dessa, imagina se o Brasil todo dividido e o Supremo votasse sempre no mesmo
sentido, sem ninguém ter dúvida sobre outra visão de mundo. Acho que aí seria
algo um pouco desconectado."
A presidente do STF disse ainda que vê com "muita
preocupação" o atual nível de beligerância nas discussões políticas e
jurídicas. "Violência é o contrário do direito. Quem tem razão não
grita." O prédio onde Cármen Lúcia mora em Belo Horizonte foi alvo de
vandalismo às vésperas da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em
abril. "Fico um pouco entristecida de ver e fiquei preocupada com os
vizinhos. Moro num prédio com pessoas idosas", disse. A ministra disse que
vai pagar pela limpeza da fachada do prédio, que foi manchada com tinta
vermelha. "É uma reação de violência que não leva a lugar
nenhum."
Cármen Lúcia ainda refutou supostos comentários de que
ela teria sido desleal com Lula, responsável por sua nomeação ao Supremo, em
2006, ao abrir caminho para a prisão do petista. "Sei de até jornalistas
que disseram, literalmente, a frase que me veio, estou colocando entre aspas:
'O preço foi pequeno perto da deslealdade de ter sido nomeada pelo
ex-presidente e de não ter garantido que ele não fosse para a cadeia'. Isto é
uma frase dura pelo seguinte: a toga não é minha, a toga é do Brasil, ela tem
que se submeter a Constituição."